29 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 29 – MACHADO, EU TAMBÉM VI OS OLHOS DE RESSACA


Eram tão vivos
Rasgados e grandes
Conjurando  uma harmonia
Dando ao resto
Um tanto mais de vida e beleza
Cada olhada
Podia fazer tremer
Sem entender
Se era para mim que olhava
Ou era eu quem queria
Aquele olhar como meu
Admirando-os da distância permitida
Contemplando-os
Sentindo-me um pouco melhor

28 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 28 – CARTA DE FLORENTINO ARIZA À FERMINA DAZA NO CERTAME DO CASAMENTO DESTA

(Para Gabriel Garcia Márquez)

É febril o meu estado
Um sentimento de perda,
Uma loucura minha.

Vai-se a Dama Coroada
Pra longe demais
E não vai sozinha.

Eu sempre a me perguntar
O que fiz ou não fiz?
Porque não eu?
Que tanto bem quis
E tanto escrevi
Juras e mais juras.

O que são elas agora?
Nada mais que palavras escritas
Não mais lidas
Nem por ela nem por ninguém.

Fico só eu então
Não tão só
Acompanha-me a esperança
Parceira constante dos incautos apaixonados.

Uma esperança sombria
Que funestamente
Só poderá se realizar através do viés da morte
Da minha
Ou do outro.

De que valeram as lágrimas
A molhar meu rouco violino
Se tu musa de todas as canções
Desdenha dela e pisa
Com teus tamancos duros
O frágil coração perdido.

Sem mais delongas
Que se vá,
Mas não esqueça jamais
Que como te jurei um dia
Serei só de ti
De mais nenhuma dama
Mesmo que seja por toda a eternidade
Estancarei aqui
A esperar por vossa senhoria.

27 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 27 – DAS MARAVILHAS DE FALAR SOZINHO



Só eu mesmo me aguento triste
Mas também não tem ninguém
Que receba melhor minhas boas notícias
Cabe a eu entender a mim mesmo
E sou eu meu único consolo e conselheiro.
Quando preciso chorar
Sempre recebo o incentivo:
“Vai fundo,  chorar faz parte”
Quando meu coração intenta
Pondo-me dúvidas
É junto a mim mesmo que reflito.
Só eu sei de todos os meus segredos
Até mesmo os inconfessáveis
A mim os confesso.
Podem me tomar como louco
Talvez o seja
Mas se é loucura
Ser amigo de si mesmo
E falar sozinho:
“Tragam-me a camisa-de-força!”


26 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 26 – O PODER DE UM PEDAÇO DE PAPEL


Quando apanhou um pedaço de papel
Viu ali uma saída
Talvez realmente fosse sim
A única saída.
Danou-se a escrever
Escreveu de tudo um pouco
Falou de amores e dores
Alegrias e ousadias
Verdades e mentiras
E só assim se sentiu melhor
Respirou fundo,
E pode continuar vivendo.

25 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 25 – NEM SEMPR SE SONHA QUANDO SE DORME

Era uma linha íngreme
Entre cansaço e a vontade de dormir
Uma moleza, uma preguiça chata
Incontrolavelmente os olhos se fecharam
Os sons de construção e a música
Se esvaíram
E passou horas em uma espécie de limbo
Sem sonhos nem pesadelos
Só uma vontade sufocada de acordar
Eis uma verdade:
Nem sempre se sonha quando se dorme.
E ele acordou assustado
E ofegante,
Desesperado por sonhos bons
Ou pelo menos um mau sonho
Mas nada daquele perder-se
Escuro e insosso.

24 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 24 – A MENINA NA LADEIRA


E lá vinha ela
E seu vestido branco
E seus cabelos soltos
E seu perfume fresco
E seu caminhar rebolativo
E seu sorriso largo
E sua fitinha do Bonfim na perna
E seu escapulário de São Jorge
E seus olhos esticados verdes
E seu bronzeado de verão
E seu espírito jovem
E sua aura clara
E meu olhar disfarçado.

23 de janeiro de 2012

CÁPSULA N° 23 – RISO SEM GRAÇA


Amorfinado
Confundido com outro qualquer
Como se as horas passadas
Fossem mera contraluz
Do que aconteceu
Acortinado
Estragado pelo social
Sofrendo sozinho
Andando com os pés arrastados
Percebendo o vento na pele
As pedras embaixo do sapato
Até se ver rindo
Escondendo o que sente
Para os outros não perguntarem:
Por quê?